Por: Pedro Henrique Nogueira
Advogado e consultor jurídico. Pós-Doutor (UFPE), Doutor (UFBA) e Mestre em Direito (UFAL). Professor na UFAL (graduação e mestrado). Membro da Associação Norte Nordeste de Professores de Processo (ANNEP), do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e do Instituto Iberoamericano de Direito Processual.



20 de setembro de 2009

Ainda a relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade

O tema, apesar de não ser novo, é relevante e está longe de ser resolvido. A coisa julgada, enquanto situação jurídica capaz de tornar imutável o elemento declaratório contido numa sentença de mérito transitada em julgado (1), tem sido alvo de muitos ataques. Alguns têm preconizado a possibilidade de sua flexibilização (ou relativização), nos casos de sentenças manifestamente injustas ou imorais, ou, ainda, nos casos de sentenças proferidas em desacordo com a Constituição.
O problema ganha contornos de destaque quando se cuida de discutir a possibilidade de  desconsiderar a imutabilidade da coisa julgada advinda de ações investigatórias de paternidade, notadamente quando as partes não se puderam valer do exame de DNA.
Angustia admitir-se que uma “verdade” biológica - cientificamente demonstrada por métodos altamente confiáveis como é o caso do DNA -, possa ser sobrepujada por uma “verdade” de caráter “formal”, construída com o artifício de uma técnica tipicamente jurídica, como a coisa julgada.
Não é aqui o lugar para o (re)exame desse tema (2). Parece-nos, porém, que alguns pontos exigem reflexão: i) relativizar a coisa julgada pode significar desprezo à segurança jurídica, pois quase sempre a parte derrotada em uma demanda poderá, sob aquele fundamento, pretender rediscutir a justiça da decisão que lhe prejudicou; em outras palavras: trata-se de uma porta aberta para eternização de litígios já resolvidos; ii) afirmar que as sentenças, mesmo quando contrárias à Constituição, não transitam em julgado jamais significa dizer que praticamente toda sentença poderá ser alvo de rediscussões após o seu trânsito em julgado, pois nossa Carta Constitucional é analítica por demais e alguns princípios (em especial o da dignidade humana) podem ser invocados facilmente como parâmetro de violação em grande parte das situações.
Não podemos, é certo, ignorar o gravíssimo problema de quem foi declarado pai ou filho sem, na realidade, o ser. Penso, contudo – pelo menos até aqui -, tratar-se de um problema grave, importante, mas pontual, a exigir soluções pontuais, mesmo porque quem hoje busque se valer do exame de DNA para rediscutir, num segundo processo, uma sentença já transitada em julgado há vários anos, provavelmente buscará a invocação da estabilidade da coisa julgada gerada na segunda demanda para evitar um novo julgamento do mesmo litígio em uma eventual terceira demanda (desta vez fundada em erro no exame de DNA feito na segunda demanda, ou até mesmo fundada no surgimento de nova técnica mais avançada para determinação da paternidade biológica).
Em suma, trata-se de questão séria e que ainda exige mais meditações.  

1- Sobre o conceito de coisa julgada, conferir, na doutrina brasileira, dentre outros: LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à Teoria da Coisa Julgada, São Paulo: RT, 1997; MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro. Coisa Julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2008; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O Dogma da Coisa Julgada. – hipóteses de relativização. São Paulo: RT, 2003.
2 - Para uma visão ampla das diferentes correntes a favor e contra a relativização da coisa julgada, conferir: DIDIER JR., Fredie (coord.). Relativização da Coisa Julgada. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2008.

6 comentários:

Jomery Nery disse...

Professor Pedro,
Esta reflexão envolve o direito constitucional de conhecimento da origem genética, além de afetar sobremaneira a esfera de proteção do princípio da dignidade da pessoa humana, no tocante à garantias obrigacionais que estão envolvidas na relação entre pai e filho.
O Direito deve ser um mecanismo eficaz para a preservação do indivíduo em suas várias searas (psicológica, afetiva, etc.)
Obrigado pelo post.
Jomery

Anônimo disse...

Caro Pedro, o comentário desta vez não adentrará a seara jurídica, mas sim para parabenizar pela nova identidade visual do blog.

O layout ficou mais leve o que proporciona uma leitura mais prazerosa. Além é lógico do conteúdo dos textos que estão cada vez mais interessantes. Parabéns!

Camilo Rezende

Pedro Henrique Pedrosa Nogueira disse...

Camilo, agradeço o comentário, ainda mais vindo de quem entende. Já que a leitura tem lhe dado prazer, espero que volte a visitar e a comentar a página, pois sua participação é sempre uito bem vinda.

Pedro Henrique Pedrosa Nogueira disse...

Jomery,
Realmente o problema é complexo e pode ser abordado sob um enfoque multidisciplinar, como muito bem colocado em seu comentário.
Você tocou num ponto da mais alta relevância: o direito à identidade genética, que, para alguns, seria diferente do direito à filiação. Desse modo, a questão que se põe é a seguinte: estaria o direito à identidade genética alcançado pela coisa julgada gerada na ação de investigação e paternidade?
Penso que não. Seria possível o ajuizamento de outra ação (mesmo depois do trânsito em julgado da sentença na ação investigatória de paternidade)para se buscar a identidade genética? Penso que sim.
Grande abraço.

Jomery Nery disse...

Caro Prof. Pedro,
Se a sentença que põe termo ao processo de Investigação de Paternidade possui traços declaratórios, afirmando e constituindo um vínculo entre duas pessoas, no meu modo de sentir, não há que se falar em outra ação para seja alcançado o direito à identidade genética pois o mesmo já fora adquirido.
O blog é muito impostante para criar debates como este. O que acha de escrevermos juntos um artigo a este respeito?
Jomery

Pedro Henrique Pedrosa Nogueira disse...

Ok. Vamos em frente. procure-me na faculdade que falaremos a respeito.

Busca neste blog

Busca na web

Pesquisa personalizada