Por: Pedro Henrique Nogueira
Advogado e consultor jurídico. Pós-Doutor (UFPE), Doutor (UFBA) e Mestre em Direito (UFAL). Professor na UFAL (graduação e mestrado). Membro da Associação Norte Nordeste de Professores de Processo (ANNEP), do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e do Instituto Iberoamericano de Direito Processual.



9 de setembro de 2009

A Lei n. 11.382/06 e o momento para o pedido de adjudicação

Uma das inovações de maior repercussão no rito da execução forçada no direito brasileiro está na nova roupagem da adjudicação. Pelo sistema anterior (CPC, arts. 714 e 715), realizava-se adjudicação se, após a ausência de licitantes na hasta pública, o exeqüente viesse a requerê-la por preço não inferior ao constante do edital. Discutia-se também se seria possível adjudicar bens móveis, já que o texto revogado do Código se reportava tão somente a imóveis.
Com a introdução, no sistema do Código de Processo Civil, do novo art. 685-A, por força da Lei nº 11.382/2006, essa controvérsia hoje perdeu o sentido, sendo perfeitamente possível atualmente adjudicar-se tanto os bens móveis quanto os imóveis. Eis a redação do dispositivo:
“Art. 685-A. É lícito ao exeqüente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer lhe sejam adjudicados os bens penhorados.”
A adjudicação é ato jurídico processual por meio do qual se dá a transferência coativa do bem penhorado diretamente do patrimônio do executado para o do adjudicante(1), geralmente (mas nem sempre) o próprio exeqüente(2).
A doutrina(3) tem entendido que a adjudicação passou a ser o meio preferencial de alienação forçada em relação às outras modalidades de expropriação. De fato, a nova redação dos arts. 647, I, e 686 de nosso Estatuto Processual, aliada à inserção dos arts. 685-A e 685-C no Código de Processo Civil, operada pela Lei nº 11.382/2006, parecem não deixar dúvidas a esse respeito. O problema que se põe é: se a adjudicação passou a ter preferência sobre outras formas de expropriação e já não mais depende de hasta pública para ser deferida, como outrora, a partir de qual momento já seria lícito ao exeqüente exercer a pretensão de adjudicar os bens penhorados?
A resposta não está expressa no CPC. Uma interpretação sistemática, contudo, nos autoriza a afirmar que a norma que atribui ao exeqüente a pretensão a adjudicar os bens penhorados (art. 685-A) há de ser cotejada, primeiramente, com a norma disciplinadora dos casos de substituição de penhora, extraída do art. 668 do Código de Processo Civil:
“Art. 668. O executado pode, no prazo de 10 (dez) dias após intimado da penhora, requerer a substituição do bem penhorado, desde que comprove cabalmente que a substituição não trará prejuízo algum ao exeqüente e será menos onerosa para ele devedor (art. 17, incisos IV e VI, e art. 620).”
O próprio CPC atribui ao executado a pretensão à substituição dos bens penhorados, desde que, evidentemente, logre demonstrar a ausência de prejuízos para o exeqüente e uma menor onerosidade sobre seu patrimônio com a constrição pretendida. Ora, o momento processual adequado para o executado poder exercitar esse direito subjetivo processual está claramente enunciado no texto do art. 668: 10 (dez) dias após a intimação da penhora.
Disso resulta a conclusão de que nenhuma adjudicação poderá ser deferida antes do transcurso do prazo de 10 (dez) dias após a intimação da penhora, pois do contrário se estaria cerceando o direito da parte executada substituir os bens penhorados. Também não nos pareceria acertado supor que o exeqüente, desejando adjudicar de imediato os bens penhorados, pudesse demonstrar a ausência dos pressupostos para a substituição da penhora, pois o Código confere uma pretensão (=direito subjetivo dotado de exigibilidade) em favor da parte executada para suscitar essa questão, fixando-lhe, inclusive, um prazo para o seu exercício no processo.
Também não se pode esquecer que o CPC prevê algumas hipóteses nas quais se admite uma segunda avaliação dos bens penhorados (cf. art. 683, I). Por exemplo, dolo do avaliador, que não poderá ser argüido se o executado não for intimado desse ato, sob pena de ficar materialmente impossibilitado de fazê-lo.
Logo, é também lícito concluir que antes de ser o executado intimado da avaliação, impossível será o deferimento da adjudicação dos bens penhorados.
Além disso, a adjudicação só poderá ser deferida pelo valor indicado na avaliação; logo, é imprescindível que desse ato seja intimado o executado, como forma de afastar o risco de suportar um ônus excessivo e indevido sobre seu patrimônio(4) em caso de sub-avaliação.
Essa intimação do executado sobre a avaliação dos bens penhorados - embora a necessidade de sua realização não esteja prevista de forma explícita no texto do CPC -, não poderá ser dispensada, pois é justamente ela que permitirá conformar a realização dos atos executórios subseqüentes com a garantia constitucional do devido processo legal (CF/88, art. 5º, LV).
Registre-se ainda, como bem observado por Athos Gusmão Carneiro(5), que a adjudicação também haverá de pressupor o transcurso do prazo para embargos (15 dias após a juntada do mandado de citação, nos termos do art. 738 do CPC), ou o recebimento de embargos sem efeito suspensivo (CPC, art. 739), já que se a ação incidental vier a ser recepcionada com efeito suspensivo vedada estará a realização dos atos de alienação forçada dos bens penhorados.
Logicamente, se ao executado será lícito opor embargos, os quais poderão vir a suspender o curso da execução (CPC, art. 739-A, § 1º), evidentemente que a adjudicação, como ato de expropriação que é, não poderá anteceder a decisão quanto ao recebimento dos embargos do executado, sob pena e risco de se tornar inócua e extemporânea a decisão atributiva de efeito suspensivo à ação incidental.
Em síntese, a adjudicação somente poderá ser deferida após a intimação do executado a respeito da avaliação dos bens penhorados, nunca antes do transcurso do prazo de 10 (dez) dias após a intimação da penhora6 e sempre depois do prazo para a propositura de embargos à execução (pois casos os embargos sejam recebidos no efeito suspensivo, a adjudicação estará, ao menos provisoriamente, vedada).
1 - SILVA, Ovídio Baptista. Curso de Processo Civil, Vol. 2. São Paulo: RT, 2000, p. 108.
2 - É possível também a adjudicação por terceiros, como, v.g., o credor hipotecário, o cônjuge e os descendentes do executado (CPC, art. 685-A, § 2º).
3 - Nesse sentido: CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 338; ASSIS, Araken de. Manual da Execução. São Paulo: RT, 2007, p. 719; THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 356; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil 3. São Paulo: RT, 2007, p. 149.
4 - Mesmo sob a égide do direito anterior à Lei nº 11.382/2006, o Superior Tribunal de Justiça já vinha entendo ser necessária, mesmo à míngua de previsão legal, a intimação do executado acerca do ato de avaliação dos bens penhorados: “Apesar de não haver norma expressa a respeito, em razão das conseqüências jurídicas que decorrem da avaliação e conseqüente fixação do preço dos bens penhorados, impõe-se sejam as partes intimadas do laudo de avaliação” (STJ, AgRg no REsp 370870/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão DJ 21.10.2002).
5 - CARNEIRO, Athos Gusmão. As Novas Leis de Reforma da Execução – Algumas Questões Polêmicas, in Revista Dialética de Direito Processual, nº 52. São Paulo: Dialética, 2007, p. 44.
6 - Pela sistemática do CPC, o ato de avaliação é integrativo do ato penhora (art. 681). Assim, de regra, o executado ao ser intimado da penhora, no mesmo átimo, o estará sendo da realização da avaliação, por isso o prazo mínimo a ser aguardado até o deferimento da adjudicação será, na maioria dos casos, de 10 dias após a intimação da penhora/avaliação. Todavia, quando os dois atos forem praticados isoladamente, os bens penhorados só poderão ser adjudicados: i) dez dias após a intimação da penhora; e ii) após a intimação da avaliação.

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